Deficiência da Vitamina B12
É praticamente automático. Para muitas pessoas basta mencionar a palavra vitamina B12 que logo vêm à mente “aumento de apetite” e, com isso, quilos a mais na balança. Na realidade, isso não passa de um grande mito; o mesmo que se refere à vitamina B12 como coadjuvante na perda de peso.
Não há na literatura médica nada que comprove ou descarte uma coisa ou outra. Sabe-se, porém, que no caso de deficiência, a suplementação de B12 pode funcionar como um modulador de peso. Isso significa que quando o indivíduo é bem magro pode adquirir alguns quilos extras. Obesos mórbidos, por sua vez, se beneficiam com o uso da energia armazenada, o que gera mais disposição para à realização de atividades físicas e, consequentemente, leva à perda de peso.
O mais importante é ter certeza de que a função da vitamina B12 está muito além da polêmica engorda/ emagrece. Também conhecida como cobalamina, ela pertence ao grupo B (B1, B2, B3, B5, B6, B7, B9 e B12), sendo necessária para que tanto o cérebro quanto todo o sistema nervoso funcione adequadamente.
Interessante, não é mesmo? No entanto, esse é apenas o começo. A cobalamina também participa da formação do sangue (mais especificamente dos glóbulos vermelhos – eritropoiese). Sua deficiência causa um tipo de anemia megaloblástica – em que o volume corpuscular médio da hemácia ultrapassa 100 femtolitros (10-15 litro).
Quando a origem dessa deficiência é autoimune, desenvolve- se um anticorpo contra as células do estômago que provoca um distúrbio de absorção, causando não apenas a deficiência de B12, mas também uma anemia megaloblástica – denominada anemia perniciosa. Esses são apenas alguns exemplos que comprovam a importância da presença desse nutriente no organismo. Entre as inúmeras funções da B12 no organismo, considero importante destacar:
- Síntese do DNA – mesmo sendo uma função do ácido fólico (vitamina B9), vale lembrar que o ácido fólico sem vitamina B12 é disfuncional;
- Síntese dos eritrócitos (hemácias) ou eritropoiese – a deficiência de vitamina B12 leva à anemia megaloblástica (hemácias grandes e imaturas);
- Contribui como cofator na transformação do ácido fólico em sua forma ativa, o metilfolato, que quando deficiente gera como sintomas: anemia, fadiga, irritabilidade, neuropatia periférica, hiper-reflexividade, pernas inquietas, diarreia, perda de peso, insônia, depressão, demência, distúrbio cognitivo e transtorno psiquiátrico;
- Tem um papel importante na modulação do sistema imune e sua deficiência predispõe a manifestações autoimunes;
- É fundamental na funcionalidade do sistema endócrino;
- É o cofator da enzima metionina sintase, na forma de metilcobalamina, permitindo a remetilação da homocisteína em metionina, o que, de forma simples, significa redução de problemas cardiovasculares;
- Também é cofator na transformação da metilmalonil-CoA em succinil-CoA.
O succinil-CoA entra no ciclo de Krebs para gerar mais energia. Esse é um dos fatos que explica o porquê da B12 melhorar a sintomatologia do paciente com fadiga.
Sua presença em inúmeras funções fisiológicas é de fato intensa, comprovando que sua deficiência é capaz de gerar inúmeras doenças.
O início dessa descoberta foi em 1824, quando, pela primeira vez, a anemia proveniente da degeneração estomacal foi identificada, sendo denominada anemia perniciosa. Esse termo remetia ao seu prognóstico sombrio, levando ao óbito, na maioria das vezes. Cerca de 100 anos depois, especificamente em 1926, dois médicos americanos, Dr. Minot e Dr. Murphy, se basearem na ideia do Dr. George Whipple – que curava cães anêmicos com a administração de fígado de boi cru – e a adaptaram aos humanos.
A conclusão foi a de que o método funcionava muito bem, “curando” a anemia perniciosa dos pacientes submetidos ao tratamento. Em 1934, Whipple, Minot e Murphy ganharam o Prêmio Nobel devido a essa descoberta, sem ao menos imaginar que o agente terapêutico do fígado cru era a vitamina B12. O nutriente só foi sintetizado em 1948, garantindo o Prêmio Nobel de Química a Dra. Dorothy Hodgkin, responsável por esse feito. Hoje, muitos médicos ainda desconhecem a prevalência e os efeitos deletérios da deficiência da vitamina B12, prejudicando substancialmente a saúde e, consequentemente, a qualidade de vida de muitos pacientes. Porém, um fato não se discute: o corpo precisa de ácido fólico para produzir ácidos nucleicos – os alicerces do DNA. Sem vitamina B12, o ácido fólico se torna disfuncional.
A produção prejudicada na formação e renovação do DNA pode impactar qualquer parte do organismo, facilitando a formação de polimorfismos genéticos e predisposição ao câncer. A deficiência da vitamina B12 é estimada em aproximadamente 25% da população dos Estados Unidos, dependendo do critério usado para diagnosticar a sua presença. Um estudo promovido pela Tufs University, em Boston – avaliando participantes e descendentes do estudo Framingham – identificou em quase 40% dos avaliados, com idade entre 26 e 83 anos, baixos níveis de B124.
Em outra pesquisa, 40 % dos pacientes idosos, com mais de 60 anos, hospitalizados, tinham níveis de B12 baixos ou borderline. Oitenta por cento dos veganos que não suplementam com B12 e mais de 50% dos vegetarianos – que mantêm esse regime há muito tempo – apresentam evidências sugestivas de sua deficiência.
O Dr. Robert Clarke, por sua vez, verificou que 46% (76/ 164) dos pacientes com Doença de Alzheimer, avaliados por ele, tinham dados sugestivos de deficiência de B12, com altos níveis de homocisteína e baixos níveis de B12 no sangue8. É muito bem documentado que pacientes com deficiência de B12, não-tratados, têm alto risco de desenvolver osteoporose. A homocisteína elevada, por sua vez, aumenta o risco de doença coronariana, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC). Nesse caso, a cobalamina contribui para que o ácido fólico converta a homocisteína de volta à sua forma metilada (metionina), reduzindo drasticamente a possibilidade do desenvolvimento de doenças cardiovasculares.
A distinção entre a deficiência de ácido fólico e B12 é feita pela dosagem do ácido metilmalônico no sangue e na urina – que é elevado na falta de B12 e normal na falta de ácido fólico.
Existem cinco vitâmeros da cobalamina capazes de atuar de forma benéfica no organismo, conhecidos como hidroxocobalamina, adenosilcobalamina, metilcobalamina, cianocobalamina e aquocobalamina. Comercialmente, estão disponíveis a hidroxo, metil e cianocobalamina, praticamente com igual eficácia. Mas, por estarem presentes na maioria dos estudos sobre o tema, as mais recomendadas acabam sendo a hidroxocobalamina e a metilcobalamina.
Como diagnóstico diferencial, vale a pena enfatizar novamente que a deficiência da vitamina B12 causa anemia megaloblástica (volume corpuscular médio da hemácia maior que 100 femtolitros), mas somente quando há uma má-absorção, devido à falta do fator intrínseco, por um mecanismo autoimune, sendo denominada anemia perniciosa, uma forma autoimune de deficiência de B12.
Sendo assim tão necessária ao organismo, é fácil concluir que muitos pacientes com falta de vitamina B12 sofrem lesões neurológicas muito antes de o hemograma revelar sinais de anemia megaloblástica. Quando o diagnóstico é feito apoiado apenas nesse dado, as lesões já podem estar instaladas no sistema nervoso e possivelmente são de caráter irreversível.
Para dificultar ainda mais o diagnóstico de megalocitose (aumento do tamanho dos glóbulos vermelhos) no sangue, níveis elevados de ácido fólico podem normalizar o volume corpuscular médio das hemácias, mesmo na deficiência de B12. Com isso, mais de 30% dos pacientes afetados podem nunca apresentar sinais de anemia megaloblástica, embora as outras lesões mantenham sua progressão inexorável.
O mecanismo de absorção da vitamina B12 é de fato complexo, sujeito a falhas em diferentes pontos de todo o processo. Resumidamente, a cobalamina é ingerida quando ligada a uma proteína de origem animal. Já na saliva, a proteína do grupo das cobalofinas (R-binders) – uma haptocorrina – é liberada, assumindo o lugar da proteína animal no estômago.
É no fundo do estômago que as células parietais produzem o suco estomacal (ácido clorídrico), capaz de transformar pepsinógeno em pepsina – que separa a B12 da proteína animal. O fator intrínseco da vitamina B12 (FI), facilitado por uma enzima pancreática (protease), se liga com a cobalamina (fator extrínseco) para formar o complexo B12-FI na primeira parte do intestino delgado (duodeno).
Esse complexo (B12-fator intrínseco) se dirige até a parte terminal do intestino delgado (íleo), onde outrproteína (cubulina) forma um receptor para receber o complexo B12-FI. Após se encaixar a esse receptor, a vitamina B12 é finalmente absorvida, passando para o sangue e se ligando às proteínas transportadoras (transcobalamina I e, principalmente, à transcobalamina II).
Como é possível perceber, trata-se de um processo detalhado, passível de falhas a qualquer momento. Por isso, a maioria dos problemas causados pela falta B12 não está relacionada à dieta, mas a uma questão de má-absorção. Um exemplo clássico é a Doença de Crohn, em que o sistema imune ataca o trato gastrointestinal, afetando-o drasticamente.
Quando o problema no intestino delgado atinge a região próxima ao íleo – parte terminal do intestino delgado e local de absorção da vitamina B12 – a má-absorção pode ocorrer. Calcula-se, com isso, o prejuízo causado com a remoção cirúrgica do íleo em pacientes com câncer do intestino ou Doença de Crohn.
A maioria dos pacientes com falta de vitamina B12 a ingere diariamente, porém é incapaz de fazê-la chegar ao sangue para a distribuição e a utilização necessárias. O grupo de indivíduos que não ingerem o suficiente – como é o caso já mencionado dos vegetarianos e, principalmente, dos veganos – deve recorrer à suplementação. A vitamina B12 também tem uma ação destoxificante.
Um organismo altamente intoxicado – pelo excesso de fumo e álcool, por exemplo – pode sofrer com a falta do nutriente, que apresenta sinais e sintomas distintos, mimetizando inúmeras doenças e dificultando o diagnóstico clínico.
Entre os eles, os mais comuns são os quadros clínicos depressivos, tremores, psicopatia, fadiga crônica, dores generalizadas inespecíficas, paralisias transitórias, incontinência urinária, anemia, refluxo esofágico, constipação, diarreia, impotência, infertilidade, comportamento de autismo, distúrbios de memória, entre outros. Essa deficiência pode ser identificada em quatro estágios, sendo:
Estágio 1 – redução dos níveis de vitamina B12 no organismo;
Estágio 2 – disfunção celular;
Estágio 3 – aumento da homocisteína e do ácido metilmalônico;
Estágio 4 – lesões do sistema nervoso central (SNC), sistema nervoso periférico (SNP) e anemia megaloblástica.
Ao atingir os estágios 3 e 4, a deficiência deve ser sanada por meio de uma suplementação adequada e imediata. Caso contrário, o indivíduo está sujeito a lesões irreversíveis no sistema nervoso, que envolvem os seguintes sintomas: disfunção mental (psicose, manias, alucinações), perda de memória, paralisias, cegueira, visão em túnel (perda da visão periférica), alteração permanente das sensações nos membros (parestesias) e incontinência, tanto urinária quanto intestinal.
Muitos pacientes com falta de B12 no organismo apresentam um quadro clínico muito semelhante ao da esclerose múltipla. Se receberem somente o tratamento para a esclerose múltipla, correm o risco de nunca registrar melhora sem a suplementação com cobalamina (hidroxo ou metilcobalamina).
Essa associação frequentemente não diagnosticada com a esclerose múltipla é muito comum, já que não há um teste que realmente comprove ou exclua o diagnóstico dessa doença neurodegenerativa (esclerose múltipla). Nem mesmo a imagem gerada por ressonância magnética (MRI) é 100% conclusiva, sendo incapaz de diferenciar a esclerose múltipla da deficiência da B12 ou de qualquer outra etiologia.
Geralmente, a esclerose múltipla tem um padrão frequente de remissões e recidivas. Quando compromete o sistema nervoso central, a falta de B12 registra um padrão clínico sempre progressivo e debilitante.
Por ano, o remédio mais indicado no tratamento da esclerose múltipla custa, em média, em torno 36 mil dólares. A terapia com cobalamina, por sua vez, corresponde ao custo médio de 40 dólares/ ano. Pacientes com falta de B12 não são beneficiados com o medicamento para esclerose múltipla. Ao contrário. Suas lesões, certamente, se acumularão. Apenas esse fato indica que, no caso de qualquer indício de esclerose múltipla, seria necessário realizar uma bateria de testes para descartar uma possível falta de B12 – incluindo, níveis de homocisteína no sangue, concentração do ácido metilmalônico na urina, dosagem da B12 no soro.
A vitamina B12, aliás, é fundamental para a formação da bainha de mielina. Pesquisas têm indicado que o organismo requer níveis normais ou mesmo mais elevados do que os normais para reverter à lesão mielínica causada pela esclerose múltipla13. Ao seguir esse caminho, encontramos cada vez mais um acúmulo de evidências correlacionando a deficiência de B12 com a Doença de Alzheimer e outros inúmeros distúrbios mentais.
O Dr. Hermesh e seus colaboradores, por exemplo, realizaram um estudo com pacientes que sofriam de transtorno obsessivo compulsivo (TOC), confirmando a deficiência de B12 em pelo menos 20% dos casos avaliados.
Especificamente nas crianças, a deficiência de B12 provoca sinais e sintomas que se assemelham aos encontrados nos casos de autismo. O resultado com a administração de cobalamina tem sido surpreendente. Em suas experiências com B12 injetável, o Dr. Arnold Brenner registrou mudanças substanciais no comportamento de autistas tratados16.
Indivíduos deficientes de B12 também são mais vulneráveis às reações adversas no processo de imunização. Idosos que pretendem ser vacinados contra a pneumonia não obterão grandes resultados se estiverem com o nutriente em falta no organismo. Intervenções cirúrgicas também são contraindicadas nesse caso, especialmente se o anestésico for o N2O (óxido nitroso).
Tudo leva a acreditar que, independentemente da doença – desde um câncer até uma doença autoimune – a possível falta de vitamina B12 deve ser observada. Os serviços de saúde, geralmente, subestimam o papel deletério dessa deficiência nos portadores de doenças mentais. A lesão cerebral e o autismo, sobretudo na infância podem ser desencadeados por essa deficiência, que constitui uma epidemia totalmente ignorada pelos profissionais de saúde. A boa notícia é que quando diagnosticada precocemente e tratada adequadamente, a resposta é somente uma: a cura.
O processo de deficiência começa a ser detectado no fluido cérebro-espinhal, quando os níveis sanguíneos de B12 estão abaixo de 550 pg/mL20,21. Isso é o suficiente para que os níveis reconhecidos como normais no soro (210-980 pg/mL) sejam alterados. Especialistas no assunto acreditam que os níveis séricos mínimos de B12 deveriam ser elevados para 600 pg/mL1.
Apenas concluindo esse tema de vasta discussão – a deficiência de vitamina B12 é uma epidemia invisível, que não causa apenas anemia perniciosa, mas danifica inúmeras partes do corpo e contribui para a fisiopatologia de muitas doenças. Por outro lado, é fácil de ser diagnosticada e tratada. O diagnóstico precoce, por sinal, gera resultados excelentes. Se um paciente apresenta qualquer um dos sinais e sintomas aqui descritos, o profissional de saúde deve sempre considerar a presença de deficiência de B12.
Nesses casos, é necessário solicitar a dosagem da B12 no sangue e/ ou do ácido metilmalônico na urina.